Aluno supera abandono escolar e alfabetização tardia e se torna o primeiro cego a se formar na UFV: 'quero ajudar outras pessoas'
27/07/2025
(Foto: Reprodução) Edmilson Alves da Silva, primeiro estudante cego formado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)
Edmilson Alves da Silva/Arquivo Pessoal
Aos 43 anos, Edmilson Alves da Silva tornou-se o primeiro estudante cego a se formar na Universidade Federal de Viçosa (UFV). O diploma em pedagogia, conquistado em 26 de junho de 2025, representa muito mais do que um título acadêmico. Para ele, simboliza o fim de uma longa travessia marcada por exclusão, resistência, coragem e o desejo de aprender, mesmo quando o mundo ao redor insistia em negar esse direito.
Nascido na zona rural de Guaraciaba, no interior de Minas Gerais, Edmilson cresceu em um ambiente onde a deficiência visual ainda era considerada doença e o acesso à educação era quase inexistente.
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Pais de Edmilson, trabalhadores rurais com pouca escolaridade, não sabiam que o filho precisava de cuidados e estímulos específicos ao nascer. Além disso, a pequena cidade não dispunha de estrutura suficiente para acolher uma criança cega na escola.
“Meus colegas e irmãos iam estudar, e eu ficava em casa. Não era por maldade dos meus pais, era por falta de conhecimento. Eu ficava pensando: será que eu não vou conseguir também?”, relembra.
Enquanto os irmãos mais novos avançavam nos estudos, Edmilson, já adolescente, ainda não sabia ler nem escrever. A alfabetização só ocorreu depois dos 20 anos, quando procurou por conta própria a escola municipal da comunidade onde vivia. Mesmo adulto, começou a frequentar turmas com crianças de 7 anos. Ali, entre lápis, réguas e letras de EVA, deu início à própria revolução.
“As crianças liam para mim o que estava escrito no quadro. Eu escrevia com régua na folha, mas não conseguia ler o que escrevia, pois não era em braille. Mesmo assim, continuei, porque queria aprender”.
Para ajudar a ler o que escrevia, Edmilson usava letras recortadas em EVA - feitas do material chamado etilvinilacetato, um tipo de espuma leve e flexível. Como as letras têm relevo, textura e formas, ele explorava as palavras com os dedos e identificava os formatos do alfabeto comum, pois não havia braille onde estudava.
Edmilson na primeira turma da escola, ao lado de alunos de 7 anos, na zona rural de Guaraciaba
Edmilson Alves da Silva/Arquivo Pessoal
Em 2012, aos 27 anos, Edmilson conheceu a Sala de Recursos de uma escola estadual em Ponte Nova, cidade vizinha. Foi lá que aprendeu braille e, pela primeira vez, dominou a leitura com as mãos. A professora que o ensinou se aposentou logo depois, e ele passou a colaborar na sala para ajudar colegas e apoiar os novos educadores.
“Era uma troca. Eu aprendia com eles e eles comigo. Como dizia Paulo Freire, educação é isso: mão dupla".
De 2015 a 2018, concluiu o ensino fundamental e médio pelo CESEC de Ponte Nova. Realizou o Enem duas vezes e, em 2017, obteve nota suficiente para ingressar na UFV, onde enfrentou outro grande desafio: adaptar-se à nova cidade e à vida universitária.
Desafios da graduação
Ao deixar a zona rural de Guaraciaba, Edmilson foi morar nas moradias estudantis da UFV, com o coração cheio de empolgação, mas também receios por estar em uma cidade desconhecida.
“Quando cheguei na UFV, tudo era novo para mim. E, para uma pessoa cega, quando o espaço não é familiar, ele se torna uma barreira”, relembra.
O acesso ao Restaurante Universitário, por exemplo, dependia da boa vontade dos colegas: “Eu esperava que alguém dissesse que ia almoçar para poder ir junto. Sozinho, não conseguia atravessar o campus”.
Com o tempo, o apoio do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (UPI/UFV) e o esforço pessoal ajudaram a desenvolver autonomia. Passou a andar sozinho, reconhecer caminhos e utilizar recursos como leitores de tela, textos em braille e monitores acadêmicos. No entanto, os desafios não estavam somente fora das salas de aula, pois a formação de muitos docentes não contemplava acessibilidade.
No final do curso, precisou aprender libras para conseguir se comunicar com o colega de quarto, um estudante surdo. “Imagine um cego e um surdo tentando se comunicar. No começo, usávamos o WhatsApp. Depois, aprendi o alfabeto em libras com ele. Hoje, caminhamos juntos por Viçosa”.
A pandemia de Covid-19 trouxe novas dificuldades. Sem internet em casa, Edmilson usava o sinal dos vizinhos no quintal, exposto à chuva, ao sol ou ao sereno, para assistir às aulas. Mesmo assim, não desistiu. “Eu pensava: isso é só mais uma aprendizagem. Agora estou aqui, formado”.
Tema de TCC nasceu das vivências
O tema da conclusão do curso de Edmilson abordou as vivências e experiências nos espaços da UFV
Edmilson Alves da Silva/Arquivo Pessoal
“A inclusão não é apenas estar na universidade. É garantir permanência e pertencimento. Eu me perdi muitas vezes dentro da UFV. E não é no sentido simbólico, não. Perdi-me de verdade, pelas ruas e corredores. Faltava sinalização, não havia piso tátil, nem ninguém por perto para ajudar. Teve estágio em que cheguei atrasado porque perdi o prédio. As salas não têm números em braille, os caminhos não possuem referências. Precisamos de muito mais do que o direito de entrar. Precisamos de suporte para permanecer. A inclusão começa quando você sente que pertence ao espaço".
Com essas palavras, Edmilson explica a motivação por trás do Trabalho de Conclusão de Curso. Com o tema “Vivências e experiências nos espaços e corredores da UFV: relato de um estudante cego no ensino superior”, transformou em conhecimento as múltiplas barreiras enfrentadas ao longo da trajetória universitária.
“Quantos Edmilsons ainda estão escondidos em casa, esperando por uma chance? Se eu tivesse tido apoio desde a infância, onde eu estaria hoje? Por isso, quero ajudar outras pessoas a não passarem pelo que passei.”
Apesar dos obstáculos, Edmilson formou-se e agora sonha com concursos públicos e um mestrado. Na formatura, celebrou-se não apenas a superação individual, mas também o poder transformador da inclusão e da educação como direito universal.
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